SUP Consciente vê drama dos estuários durante volta à ilha de São Vicente


 

Eduardo Marcelo Nicastro registra o descaso com que as autoridades tratam os manguezais.

Supistas do Movimento SUP Consciente percorrem a região estuarina da Ilha de São Vicente e constatam o descaso das autoridades em um dos mais belos e importantes ecossistemas da região.

Por Luciano Meneghello (*)

Desde o início do ano, várias praias do Brasil tem sido palco de manifestações com o objetivo de alertar a sociedade sobre a ameaça que paira sobre os manguezais, caso as alterações do código florestal sejam aprovadas pelo governo federal.

Manguezais são ecossistemas extremamente importantes para a manutenção e equilíbrio da vida dos oceanos. São fundamentais tanto para espécies desses ambientes, como para peixes e outros animais que migram para áreas costeiras durante, pelo menos, uma fase do ciclo de vida. Por isso, são considerados o "berço" da fauna marinha.

Ghaio Cesar Lima, Capiau, Edgar Fernando, Sandra Regina e Eduardo Luiz Salay. Foto: Eduardo Marcelo Nicastro

São também alvo da cobiça especulativa, pois encontram-se em áreas abrigadas, propícias para a construção de portos e indústrias. Sofrem, ainda, outro tipo de ameaça que são as invasões de pessoas que ali constroem, sem a menor infraestrutura, palafitas e barracos por não terem outra opção de moradia.

Região simbólica por abrigar na mesma região os três tipos de ameaças (porto, indústria e favelas), a área estuarina da ilha de São Vicente, que compreende, além desta, as cidades de Santos, Guarujá e Cubatão, foi recentemente percorrida pelos membros do Movimento SUP Conscionte, famoso na região por realizar ações de limpeza em praias desertas usando as pranchas de SUP como meio de transporte.

O objetivo da remada foi o de reconhecimento e "batismo" dos novos membros, que nunca haviam percorrido distâncias tão longas a bordo de um SUP. No entanto, mais do que o desafio, chamou a atenção de todos, a beleza desses manguezais e a luta desigual da natureza contra o descaso das autoridades numa área que deveria, por sua importância, ser cuidada com zelo. Aves em extinção, como Guarás vermelhos, procuravam alimento em meio à plásticos e outros detritos. Esgoto in natura despejado diretamente na água pelos barracos e palafitas, denunciando uma gritante falta de saneamento básico, direito garantido pela constituição brasileira e que por esse motivo deveria ser tratado como prioridade pelas autoridades competentes.

Sandra Regina em frente a navio no Porto de Santos. Foto: Eduardo Marcelo Nicastro

Confira vídeo produzido pela ONG Eco Faxina, realizado durante uma coleta de sedimento e siris para exames ecotoxicológicos que é um importante registro do estado precário em que vivem os moradores das palafitas em uma das cidades mais ricas do estado de São Paulo:

Através de Eduardo Marcelo Nicastro, um dos fundadores do grupo, pedi aos membros que participaram dessa remada, que fizessem depoimentos sobre o que viram. Confira os relatos:

"Nessa remada, tive a oportunidade de conhecer uma região belíssima, mas infelizmente totalmente abandonada pelos órgãos públicos.

O acumulo de lixo nas margens do mangue é indescritível. A frustração e até uma raiva anterior que nutria das pessoas que invadiram e destruíram os mangues para morar, desapareceu. Agora sinto muita pena daquela pobre gente, sem nenhuma opção, vivendo em condições muito precárias. Com certeza se eu morasse ali agiria da mesma maneira. É muito fácil pra nós, que temos serviços básicos de saneamento e coleta de lixo, criticar os moradores dos mangues."

Sandra Calache

A região estuarina, que deveria ser tratada como um santuário, é tratada com descaso pelo governo e ignorada pela sociedade. Foto: Eduardo Marcelo Nicastro

"É muito triste ver uma região tão bonita poluída daquele jeito. Mesmo assim, o mais chocante para mim foi ver as condições em que vivem as pessoas ao longo do mangue. Descer do pedestal de privilegiado e constatar “in loco” te põe a pensar um pouco diferente. Alguns conceitos mudam.

Confesso que cheguei até a ficar envergonhado com todo esse papo de ecologicamente correto. Eu ali indignado com o lixo e no mesmo local seres humanos sub-existindo em condições totalmente precárias. Conforme ia passando, me imaginava morando ali, fazendo uma refeição, dormindo, acordando. Ao todo foram 10hs sobre o stand-up, mas bastaram alguns minutos desse tempo para mudar algumas idéias."

Eduardo Luiz Salay

Pausa para o descanso. Foto: Eduardo Marcelo Nicastro

"Foi uma experiência marcante, seja pelo contraste social, seja pela superação pessoal. Encaramos uma forte correnteza e fortes ventos contrários com cerca de 20 km/h. Mas a vontade de todos era imensa e com isso superamos dores para alcançar o objetivo pelo qual nos propusemos. Uma vitória de todos.

Durante diversos trechos nos deparamos com contrastes extremos, onde a beleza de nossos mananciais é de tirar o fôlego, com guarás vermelhos e outros pássaros obrigados a conviver em seu habitat natural com muito lixo; e também o impacto da miséria extrema. É uma grande tristeza saber que com o valor de nossas pranchas é possível dar sustento por um ano para uma dessas famílias. Nossos governantes precisam fazer muito mais por uma política de igualdade social ou no mínimo dar condições de uma vida um pouco menos sofrida a essas famílias. Essa experiência ficará marcada eternamente em nossas vidas, seja pelo contraste social, seja pela beleza da fauna e a flora local."

Ghaio Cesar Lima

Eduardo Nicastro, Edgar Fernando e Edu Salay. Foto: Ghaio Cesar Lima

"Sou profissional liberal (Corretor de Imóveis) e vejo a remada sobre prancha de SUP como uma maneira de recarregar a energia gasta no decorrer do dia. É também uma maneira de fazer novas amizades. O Stand Up Paddle esta me proporcionando mais disposição no dia a dia e convido a todos a experimentar. Essa travessia foi uma superação pessoal e também serviu de alerta para os contrastes que existem no país. Natureza e poluição; riqueza e pobreza."

Edgar Fernando

Assim são tratados os mangues da região estuaria entre as cidades de Santos e São Vicente. Foto: Eduardo Marcelo Nicastro.

"Um passeio que nos deixou maravilhados e ao mesmo tempo chocados com o descaso das maiores empresas que se estabelecem na beira do cais que nada fazem em relação ao lixo em geral, que é jogado no mar pela população, pelos navios e até mesmo pelas empresas que ali estão. Ao mesmo tempo nos deparamos com vários tipos de pássaros. Alguns atualmente em extinção, como o guará vermelho. O mais triste é ver os pobres bichinhos se alimentando de plásticos e até mesmo presos pelas patinhas sem nem poder voar.

Mas não podemos deixar de falar também das coisas boas que nos foram dadas pela mãe natureza, pois a natureza ali é linda. Completar essa travessia foi um momento mágico para mim e meus amigos"

Carlos Valério de Souza (Capiau)

Edu Salay e a baia de São Vicente ao fundo no trajeto final da travessia. Foto: Eduardo Marcelo Nicastro

"Aos sábados, em nossas remadas com o SUP Consciente, fui tentando fazer a nossa turma acreditar que todos éramos capazes de fazer uma remada longa como eu já havia feito antes. Começamos remando percursos mais curtos e fomos aumentando as distâncias a cada remada. Na última semana propus o desafio (volta à ilha) para cada um deles e todos toparam.

Queria, além do desafio, passar para eles a experiência que tive na minha última remada, em 2010, e que infelizmente não mudou. Nossas prefeituras: Santos-SP, Cubatão-SP e São Vicente-SP precisam fazer algo o mais rápido possível pelo lixo jogado e também pelo lado social da baixada que é muito triste mesmo, onde vimos até criação de porcos nas palafitas.

Nossa baixada é linda e precisamos cuidar do que é nosso, não jogue lixo na natureza a vida agradece!"

Eduardo Marcelo Nicastro de Carvalho

 

"O BURACO É MAIS EM BAIXO"

Pólo Industrial de Cubatão, na década de 1970. Toneladas de efluentes industriais lançados sem tratamento nos manguezais. Foto: acervo do Arquivo Histórico Municipal/Prefeitura Municipal de Cubatão

Plástico e esgoto são somente uma parte do drama enfrentado por essa região estuarina. Há uma ameaça muito maior.

No estudo designado "Fluxos de Contaminação do Estuário de Santos e Sua Consequência no Meio Ambiente e Cadeia Alimentar", Élio Lopes dos Santos, conta que em 20 de maio de 1996, o aparecimento de resíduos industriais nas praias de Guarujá levou a Promotoria de Justiça local, a instauração de inquérito para apurar denúncias sobre os resíduos dragados do canal do Porto de Santos e seu lançamento em águas oceânicas à cerca de 4 km da costa. A CETESB, Órgão Ambiental do Estado de São Paulo, foi designada para realizar um estudo preliminar sobre os sedimentos dragados no estuário de Santos. Esse estudo revelou concentrações elevadas de vários elementos químicos orgânicos e inorgânicos, entre os quais metais pesados e hidrocarbonetos, além de toxicidade elevada e atividade mutagênica. A gravidade da contaminação levou o Órgão Ambiental a interditar as operações de dragagem de sedimentos feitas para o aprofundamento do canal do Porto de Santos. Foi a primeira de muitas intervenções e batalhas judiciais para que o porto providenciasse tratamento adequado para os contaminantes encontrados nos sedimentos removidos pela dragagem, uma vez que parte deles, metais pesados, como o mercúrio, por exemplo, que além altamente tóxicos, simplesmente jamais serão absorvidos pela natureza.

Revoada de Guarás-vermelho no rio Cubatão. Apesar de tudo, a natureza ainda resiste. Foto: Raimundo Rosa

A origem dessa contaminação mais crônica remota aos anos 60 e teve seu ápice entre as décadas de 70 e 80, quando o pólo industrial de Cubatão produzia a todo vapor para atender ao "milagre econômico brasileiro". Nesse período, toneladas de poluentes foram despejados sem tratamento nas águas do estuário por empresas como a COSIPA (Companhia Siderúrgica Paulista) até que somente em 1983 o governo instaurou um programa de controle de poluição. De acordo com os registros do Órgão Ambiental Estadual, a COSIPA ainda assim manteve-se reticente ao Programa de Controle Ambiental desencadeado pela CETESB. Passaram-se anos sem que tivesse a totalidade de suas fontes de poluição controladas, lançando efluentes de forma crônica em desacordo com os padrões da Resolução CONAMA n.º 20/86 atual CONAMA n.º 357/05.

Grande parte desses poluentes estão até hoje no fundo do canal do porto e em diversas partes do estuário e seus manguezais, representando o maior drama enfrentado por essa região tão bela e desamparada. Uma presença maligna, que deve servir de alerta para que flexibilizações da legislação ambiental não permitam que tragédias como essa se repitam, comprometendo não só a geração do presente, como a do futuro.

Para saber mais sobre o estudo realizado pela CETESB sobre a contaminação do estuário de Santos CLIQUE AQUI.

 

(*) Luciano Meneghello, editor do SUPCLUB.com.br, é MBA em Gestão Ambiental Portuária, Bacharel em Comunicação Social e formado em Logística, pela Faculdade de Tecnologia de São Paulo.

 

 

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