Uma questão de gênero


 

Babi Brazil (na foto à direita) foi o único membro da equipe brasileira a conquistar medalha durante o mundial amador da ISA neste ano. Essa conquista e prova de mérito, no entanto, não se reflete no valor das premiações destinadas à categoria feminina em provas profissionais de SUP race. Foto: ISA/Marotta

Babi Brazil, atual campeã brasileira de SUP race, conversa com ícones do esporte feminino como Andrea Moller, Fernanda Keller e Luiza Bello, e cita depoimentos de Oswaldo Felippe Júnior, da TH5 eventos e José João da Silva,  responsável pela JJS Eventos, para levantar uma questão polêmica: os valores das premições oferecidos a categoria profissional feminina em eventos de SUP.

Por Babi Brazil (*)

Tem uma questão que me persegue em cada competição de SUP: por que as mulheres recebem um valor menor do que os homens na premiação?

Decidi pesquisar sobre o assunto em outras modalidades esportivas e descobri que o SUP é hoje um dos esportes expressivos que mantém essa discriminação com as mulheres. O argumento é sempre o mesmo: “o número de mulheres é menor que o dos homens”.

Mesmo tendo eu sempre questionado os organizadores, ainda não consegui me conformar com esse critério, e para ilustrar essa situação, tive a honra de trocar informações com verdadeiras guerreiras atletas e expoentes do esporte nacional e internacional: Andrea Moller (SUP, SURF, CANOAGEM), Luzia Bello (X TERRA) e Fernanda Keller (TRIATHLON, IRONMAN), a precursora na briga pela igualdade de premiação no triathlon. Todas elas levantam uma questão muito pertinente: as mulheres pagam a mesma taxa de inscrição que os homens, fazem o mesmo percurso e treinam muito para estar entre as primeiras, e às vezes treinam tanto, que ficam entre os “primeiros”.

Ora, ser atleta, por si só, já é ser diferente, dentre os milhões de sedentários e não simpatizantes de esportes. Acordar cedo pra treinar, ter uma alimentação adequada, dormir cedo, viajar para competir, são atitudes e opção de quem encara a sério o esporte.

Mito do Triathlon, Fernanda Keller lutou muito por igualdade de valores na premiação de homens e mulheres, chegando a não participar de provas cujos valores de premiação não fossem os mesmos entre as categorias. Essa atitude ganhou apoio de outras atletas e levou os organizadores a igualarem os valores das premições. Foto: reprodução

No Brasil, difícil é viver só do esporte e o atleta brasileiro em muitos casos tem alguma outra atividade para sustentar a si e sua família. Sendo assim, é necessário incluir na rotina do atleta as demais atividades de trabalho e família, o que pode envolver filhos e tudo o mais, tornando essa rotina uma “dureza”. É bom citar também os atletas apaixonados, aqueles que mesmo sem patrocínio, saem por esse Brasil afora pagando para competir.

E por que ser atleta e ser mulher no SUP significa receber uma premiação menor que a dos homens?

Talvez porque ser mulher significa ser educada dentro de uma concepção realista-machista em que as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade foram e ainda são na maioria dos casos, preconceituosas, com critérios de subvalorização de papéis e discriminação. A começar pela dicotomia homem forte/mulher fraca, como se fosse uma "lei da natureza" determinando a conduta das mulheres em todos os segmentos sociais, essa cultura atribui à mulher a idéia de debilidade física e ao homem, fortaleza física.

Naturalmente, esse modelo estereotipado não é um fenômeno contemporâneo, e tem suas origens na sociedade grega antiga, e, para os que desconhecem história ou mitologia grega, basta lembrar as imagens dos deuses com qualidades de força e vigor, e das deusas, com beleza, fragilidade e passividade.

Para se ter uma idéia concreta, em 2012, no X TERRA Costa Verde - RJ, participaram 134 homens e 12 mulheres na categoria amador, já na elite foram 12 homens e 6 mulheres, premiados igualmente em valores (ver figura abaixo).

Premiação do X TERRA etapa Manaus 2012. Fonte: http://www.ativo.com/Eventos/MostraEvento.aspx?idEvento=5116

Comparando com a etapa do circuito da ABSUP 2012, em Ilhabela-SP, participaram 63 atletas no masculino e 12 no feminino na classe 12’6” profissional, premiaram e continuam premiando os homens com mais que o dobro do valor destinado às mulheres (ver próxima figura, abaixo). A partir daí entende-se que não é o numero menor de atletas mulheres, mas sim o paradigma referente à organização desses eventos que determina a subvalorização das atletas do sexo feminino, enquanto outros esportes de alto rendimento já não funcionam dessa forma há muito tempo.

Tabela distribuição de valores de premiação ABSUP. Fonte: http://www.absup.com.br/regras.html

Se observarmos o sistema de premiação do X TERRA, a questão de número de competidoras é resolvida premiando até a sétima colocada, e o masculino até o décimo, mas não há discrepância de valores por gênero.

A quantidade de mulheres participantes em competições será sempre proporcionalmente menor que o dos homens, isso é um fato social. Não é toda mulher que encara um esporte de alto rendimento, e mais, uma mulher que se propõe ser atleta se depara com diversos conflitos: consigo mesma e com a educação que teve e com a sociedade machista. Luzia Bello descreve bem: “mulheres atletas são mulheres guerreiras, por isso somos a minoria, e ainda fazemos o mesmo percurso dos homens, ou seja, fazemos mais força por sermos do sexo oposto, muitas preferem outro estilo de vida, e ser atleta é ser diferente, esse é o meu!”.

"Uma mulher que se propõe ser atleta se depara com diversos conflitos: consigo mesma, com a educação que teve e com a sociedade machista". Luzia Bello fazendo mais um pódio no X-Terra. Foto: arquivo pessoal.

Entretanto, deixando de lado essa carga histórica que, via de regra, gera o modelo de dominação masculina, é sensato analisar o que vem acontecendo em outros esportes e acreditar que esse modelo está em processo de mudança.

No triathlon, na natação, no tênis, no atletismo e no x terra não existe mais essa discriminação. O número de atletas mulheres continua sendo menor que os atletas homens, e os prêmios são exatamente iguais em valor tanto para homens quanto para mulheres, vale ressaltar que a premiação em dinheiro é destinada somente aos atletas da elite, ou os primeiros colocados na geral, masculino e feminino (ver exemplo do Ironman Brasil, figura abaixo).

Premiação Ironman Brasil 2012. Fonte: http://www.ironmanbrasil.com.br/br/2009/premiacao.asp

Fernanda Keller tem o recorde mundial de pódios entre os 10 melhores atletas do mundo sendo seis vezes medalha de bronze no campeonato mundial de ironman no Hawaii e ainda cinco vezes campeã do ironman brasil e hexacampeã do troféu brasil de triathlon.

Alguns anos atrás o TRIATHLON era como o SUP hoje, premiando os homens com valores maiores. Fernanda não largava em provas onde a premiação era diferente entre homens e mulheres. “Aqui no Brasil era complicado, as atletas aguardavam. Acho que preferiam que eu não largasse, pois assim elas teriam mais chance de vencer”, conta Fernanda.

Sem se preocupar com a reação de outros atletas, ela fazia o que acreditava estar certo e o que tinha direito contando com o apoio da família, do técnico Marcelo Borges na época, e a união internacional feminina de triathlon. Essa atitude de Fernanda levou os organizadores a colocarem as premiações com valores iguais.

O posicionamento da elite feminina de cada esporte deve ser o mesmo e lutar para que os direitos sejam os mesmos em qualquer que seja a modalidade esportiva. O importante é saber o que é profissionalismo e ter um comportamento adequado a um atleta de alto rendimento”, afirma a triatleta.

Andrea Moller, uma waterwomen brasileira que vem conquistando inúmeros campeonatos internacionais, principalmente no Havaí, onde reside desde 1998, também mostra a sua insatisfação com esse tipo de discriminação:

A desculpa dos organizadores é que o numero de mulheres é menor do que os homens.  Talvez eles achem que é mais fácil ganhar como mulher quando só tem 20 competidoras do que ganhar como homem quando tem mais de 50.  Mas isso não justifica nada.  Para ficar entre os três primeiro lugares, precisamos treinar muito.  Além disso, a inscrição é igual entre masculino e feminino - e não é barata. A distância e a dificuldade do percurso são exatamente as mesmas para homens e mulheres”, conta Andrea.

Ela completa com outros aspectos: “Homens treinam muito e chegam em casa com a mulher tomando conta deles cansados.  Mulheres treinam muito e chegam em casa tendo que tomar conta dos filhos e da casa. O que eu fico mais triste é de saber que muitas mulheres atletas não deram 100% ao esporte porque não tiveram o incentivo que os homens recebem.”

Andrea Moller (foto) luta por igualdade de valores entre as categorias masculina e feminina nas provas internacionais de SUP race, onde ainda há grande discrepância nas premiações. Foto: arquivo pessoal.

Se os organizadores de eventos de SUP ainda estão com a mente na Grécia antiga, por outro lado os responsáveis por eventos em outros esportes já não pensam assim, portanto cito a frase do Oswaldo Felippe Júnior, da TH5 eventos, que se diz totalmente contra essa discriminação: “Apesar do número de mulheres em provas ser menor do que o de homens, sempre premiamos igual. Eu acho justo, não dá para fazer essa diferenciação”; e, ainda, José João da Silva, bicampeão da São Silvestre e responsável pela JJS Eventos, expressa a mesma opinião: “Nós seguimos a norma de igualdade para todos, que é aplicada em nível mundial, que a IAAF utiliza. Ou premiamos igual ou não damos nada[...] Apesar de a participação feminina não ser tão grande quanto a masculina, cada mulher representa mais de três homens, pois ela, num certo momento da vida, leva uma criança. Elas deveriam até receber mais”.

Nesse último fim de semana (25 de Agosto 2012), no campeonato brasileiro de SUP RACE em Brasília, depois de uma confusa largada com direito a sobe e desce de bandeiras, buzinadas e atropelos, algumas atletas profissionais se reuniram e levantaram a questão da discrepância de premiação numa reunião ocorrida junto aos dirigentes da ABSUP.

As mulheres treinam, fazem o mesmo percurso, pagam o mesmo valor nas passagens aéreas e nos equipamentos, representam o país em campeonatos mundiais da mesma forma que os homens, etc. O pedido é simples: igualar o valor da premiação entre os gêneros masculino e feminino para a categoria open race, visto que esta é a categoria que representa o título brasileiro no Brasil e em outros países.

A sugestão de diminuir o preço da inscrição ou de diminuir a distância do percurso foge à lógica do que foi aqui exposto.

Por que não seguir o modelo de esportes que trazem uma visão mais ampla, ou melhor, que enxergam o esporte como filosofia e dedicação, sem distinguir gênero no momento da recompensa?

Bom, fica a questão para refletir e agir, e meus sinceros agradecimentos à: Andrea Moller, Fernanda Keller, Luzia Bello e todas as atletas que correm o circuito profissional.

Texto: Babi Brazil. Edição e finalização: Adriana Munford

(*) Babi Brazil, PHD em educação musical, atleta e Campeã Brasileira de SUP RACE 2011, juntamente com Adriana Munford, psicóloga, dançarina e atleta do SUP, assinam a coluna ‘SUP na Cabeça’ para o SUPCLUB.com.br.

 

 

 

 

 

 

 

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